Tributação de Rendimentos Ilícitos

Nos últimos tempos, devido, principalmente, à mediatização de alguns processos de natureza judicial de algumas personalidades do nosso sistema político e empresarial, tem-se discutido bastante acerca da possibilidade ou não da tributação de rendimentos ou atos de origem ilícita. Com efeito, a questão que se lança de imediato é: será ou não legal proceder-se à tributação dos rendimentos ou atos de proveniência ilícita?

Adiante-se, desde já, que a resposta a tal questão terá que ser afirmativa.

Na verdade, estatui o artigo 10.º da Lei Geral Tributária que “O carácter ilícito da obtenção de rendimentos ou da aquisição, titularidade ou transmissão dos bens não obsta à sua tributação quando esses actos preencham os pressupostos das normas de incidência aplicáveis.” Com efeito, objetiva e concretamente, o caráter lícito ou ilícito da obtenção dos rendimentos ou da forma de aquisição, transmissão e titularidade dos bens é indiferente à sua tributação e às suas finalidades.

Através do regime instituído, estamos tão só perante situações em que a tributação dos rendimentos é operada em função da capacidade contributiva de um determinado facto ou ato praticado por um sujeito passivo de imposto, ou pela tributação de um determinado facto tributário operado através da aquisição, transmissão ou titularidade de bens.

Enaltecendo, inclusivamente, que a eventual não tributação de rendimentos ou atos com proveniência ilícita, seria um claro convite à obtenção de rendimentos ou bens de forma ilegítima e fora dos quadros legais, levando a um desajuste, desequilíbrio e marginalização da forma, modos e termos da obtenção de rendimentos, numa total rutura da harmonia jurídico-tributária.

Isto posto, e no que tange à tributação dos rendimentos, tendo em conta o artigo 10.º da LGT, não pretendeu o nosso legislador proceder à criação de uma qualquer nova categoria autónoma de rendimentos – nomeadamente uma espécie de “categoria de rendimento ilícitos” – através de uma ampliação da atual incidência do Imposto sobre o Rendimento das pessoas singular (vulgo, “IRS”).

Tal previsão legal, limita-se a clarificar o alcance da incidência das categorias existentes, pelo que a tributação dos rendimentos ilícitos terá que ser integrado numa das categorias de rendimentos já previstas em sede de IRS, não sendo, por maioria de razão, possível proceder-se à tributação de um rendimento ilícito que não seja suscetível de ser integrado numa qualquer delas. Ou seja, existindo prova que determinado sujeito passivo omitiu na respetiva declaração de rendimentos, valores que seriam alvo de tributação, e cuja proveniência advenha de um facto ilícito, logicamente que a consequência será a tributação de tal rendimento ilícito na categoria a que diz respeito, por exemplo, na categoria B (rendimentos empresariais ou profissionais).

Não obstante tal enquadramento, muitas vezes existem suspeitas e dúvidas quanto à origem de determinados rendimentos, mas não é possível provar de forma inequívoca e exata a respetiva proveniência/origem.

Nestas situações, a forma de legalmente se ultrapassar as limitações que existem relativamente aos meios de prova, nos casos de suspeita de rendimentos de proveniência ilícita, reside na aplicação da figura jurídica da tributação dos acréscimos patrimoniais não justificados (figura jurídica esta que existem em muitos ordenamentos jurídicos como, por exemplo, em Espanha e nos E.U.A.).

Ora, no nosso ordenamento jurídico, a figura da tributação dos acréscimos patrimoniais não justificados, enquadra-se na alínea d), do n.º 1, do artigo 9.º, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), fazendo parte dos rendimentos da categoria G, ou seja, acréscimos patrimoniais não justificados, determinados nos termos dos artigos 87.º, 88.º ou 89.º-A da Lei Geral Tributária.

Deste modo, considera-se que existem acréscimos patrimoniais não justificados quando os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente, para menos, e sem razão justificativa, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir determinadas manifestações de fortuna.

As manifestações de fortuna consideradas para este efeito e o respetivo rendimento padrão presumido estão explicitadas na tabela do n.º 4, do artigo 89.º-A, da Lei Geral Tributária, nomeadamente através da aquisição de imóveis de valor igual ou superior a 250.000,00€, de automóveis ligeiros de passageiros de valor igual ou superior a 50.000,00€, de suprimentos e/ou empréstimos feitos no ano de valor igual ou superior a 50.000,00€, entre outros.

É importante realçar que, se de algum modo, for possível provar-se a efetiva procedência dos rendimentos ou bens, tais acréscimos já não podem incluir-se entre os acréscimos patrimoniais não justificados do património, devendo ser examinados no enquadramento da sua tributação na categoria correspondente.

Pelo exposto, será de se concluir, de forma clara, expressa e inequívoca, que são tributáveis os rendimentos e os resultados de atividade ilícita ou ilegal, bem como a aquisição, transmissão ou a titularidade de bens provenientes de atos ou condutas ilícitas.

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