Já naquele novembro de 2017, o parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão proclamavam o “Pilar dos Direitos Sociais” em prol da prosperidade, do progresso e da convergência com a perspetiva de exterminar o malogrado do dumping salarial.
Com vista a alicerçar o Pilar, o Parlamento Europeu e o Conselho avançaram para a construção de uma nova Diretiva que visa regular o procedimento para determinar qual deverá ser o salário mínimo proporcional, necessário e adequado em cada Estado Membro, permitindo assim aos trabalhadores auferirem um salário mínimo que permita a vivência ao invés da sobrevivência.
Nesta senda, foi apresentada uma proposta de Diretiva relativa aos salários mínimos adequados na União Europeia onde se percebe perfeitamente a intenção de se alinharem critérios para a definição do salário mínimo adequado em cada Estado Membro, muito embora suscitem grandes dúvidas quanto à sua aplicabilidade e suficiência, bem como quanto à intensidade do seu efeito na realidade dos Estados Membros.
Da leitura da proposta de Diretiva, resta por demais evidente o recurso sistémico ao princípio fundamental da proporcionalidade como fio orientador para a determinação do salário mínimo adequado. Outrossim, define critérios mínimos para a fixação do salário mínimo nacional, estatuindo que devem ser tidos em consideração: a) o poder de compra dos SMN, atendendo ao custo de vida e o peso dos impostos e das prestações sociais; b) o nível geral de salários brutos e a sua distribuição; c) a taxa de crescimento dos salários brutos; d) a evolução da produtividade do trabalho.
Dito isto, há a apontar venturas e malogrados a esta proposta de Diretiva. Desde logo, foi feliz a proposta pelo “oportunismo” positivo de chegar em tempos de crise económica e social, afirmando que a dignidade no trabalho é “sagrada” (nas palavras da Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen), aditando peso aos objetivos, amiúde com sabor a semi-utopia, de um salário justo e da dignidade do trabalhador.
Logrou também pela formalização de critério mínimos para a definição dos SMN definidos pelos Estados Membros, obrigando a uma maior transparência dos Estados membros para com os seus cidadãos, passando necessariamente por uma comunicação dos critérios utilizados num formato mais claro, permitindo que os cidadãos possam, de certo modo, fiscalizar o próprio Estado e a sua atuação, atribuindo uma nova noção da verdadeira justiça dos salários mínimos praticados.
Finalmente, parece-nos também de apontar como positivo, que a proposta tenha uma aplicabilidade global, uma vez que na União Europeia todos os Estados membros têm SMN (em dois formatos essenciais: definido pelo Estado, ou definido por acordos coletivos), bem assim que estatua uma preocupação adicional com a regular atualização dos valores salariais mínimos consoante a alteração dos critérios definidos.
Sem embargo, mas em boa verdade, a proposta de Diretiva acaba por ter um efeito psicológico mais intenso do que perspetiva de eficiência prática. Desde logo, porque ao definir apenas os critérios mínimos, abre a porta – portão – para serem levados em linha de conta outros critérios que possam atenuar os valores que se venham a definir a título de salário mínimo. No fundo, a redação da proposta ficou-se pelo reino das intensões práticas e parece-nos que caiu novamente no fosso do inócuo. Veio assumir a importância de o trabalhador auferir um valor mínimo justo pelo seu trabalho, mas faz pouco para garantir a atribuição desse mínimo justo e adequado, pecando por insuficiência na definição dos critérios de fiscalização preventiva, – isto é, na fiscalização da forma como é definido esse valor – mas também nos critérios de fiscalização sucessiva do valor definido.
Parece-nos que a solução para uma maior equidade salarial seria, numa fase primária, tornar prioritária a generalização da definição de salários mínimos com base nos acordos coletivos, reforçando a presença da equidade salarial de forma objetiva nos diversos setores de atividade, onde se consegue adaptar de forma mais ponderada a atividade ao valor auferido, garantindo assim uma proporcionalidade salarial customizada e ponderada com padrões de análise concretos. Desta feita, obter-se-ia uma microequidade regulável.
Desta forma, estamos em crer que esta proposta de diretiva não passa de uma sarça ardente, em que o Parlamento Europeu e o Conselho anseiam por carbonizar um malogrado social milenar com um fogo que por certo arderá sem o consumir em definitivo.
Partilhe este artigo: