O quiet quitting, ou despedimento silencioso, foi “importado” da China para a Europa, tendo-se tornado num conceito viral com a partilha de vídeos sobre o tema na aplicação TikTok. O quiet quitting prende-se com o cumprimento restrito da atividade laboral e do horário de trabalho a que os trabalhadores se encontram vinculados pelo contrato de trabalho. Trata-se, ainda, da recusa pelo trabalhador do exercício das suas funções para além do correspondente à sua retribuição e para além do horário de trabalho estabelecido, não tendo o trabalhador a iniciativa de integrar novos projetos, assumir responsabilidade ou funções extraordinárias às que concernem o objeto do contrato.
Esta postura perante a atividade laboral decorre da perspetiva de vida, sobretudo, da Geração Z (“trabalhar para viver e não viver para trabalhar”), sendo ainda motivada pela precariedade laboral em que esta geração, uma das mais qualificadas de sempre, se encontra. Mas, à parte desta mentalidade, compreendida por uns e criticada por outros, pode o trabalhador recusar um pedido de trabalho suplementar do empregador?
Em regra, o trabalhador é obrigado a realizar a prestação de trabalho suplementar. Contudo, excecionam-se: os casos em que havendo motivos atendíveis, o trabalhador expressamente solicite a sua dispensa; o trabalhador com deficiência ou doença crónica; a trabalhadora grávida e o/a trabalhador(a) com filho de idade inferior a 12 meses, bem como a trabalhadora que amamenta, se for necessário para a sua saúde ou da criança; o trabalhador estudante, excetuando motivo de força maior, quando o trabalho suplementar a prestar coincida com o horário escolar ou prova de avaliação; e, por fim, o trabalhador cuidador que está dispensado de prestar trabalho suplementar enquanto se verificar a necessidade de assistência. Já o trabalho suplementar de menor é proibido, excecionando-se o caso previsto no n.º 2 do artigo 75.º do Código do Trabalho.
Atente-se, contudo, que o artigo 211.º impõe como limite máximo da duração média do trabalho semanal, incluindo trabalho suplementar, 48 horas num período de referência fixado em IRCT (no máximo de 12 meses) ou, na sua falta, num período de referência de 4 meses (ou de 6 meses, nos casos previstos no artigo 207.º, n.º 2). Não está aqui em causa um limite absoluto, mas um limite médio num período de referência sendo, por isso, a avaliação da sua violação mais complexa.
A Agenda do Trabalho Digno visou, entre outros fins, o maior equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional tendo, nesta sequência e relativamente a este tema, ponderado a compensação dos trabalhadores pelo trabalho prestado fora do horário de trabalho e, assim, procedido à alteração das percentagens pagas a esse título. O trabalho suplementar superior a 100 horas anuais passou, desde o dia 1 de maio deste ano, a ser pago com acréscimos superiores comparativamente com o trabalho suplementar até 100 horas anuais: 50% pela primeira hora ou fração desta e 75% por cada hora ou fração subsequente, em dia útil (em comparação com 25% e 37,5%); 100% por cada hora ou fração, em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, ou em feriado (em comparação com 50%).
Já com a legislação que modificou o regime de teletrabalho foi introduzido o dever de abstenção de contacto ou direito à desconexão digital, frisando, mais uma vez, a fronteira existente entre a vida pessoal e a vida profissional de cada um. Este dever, contudo, terá de ser interpretado com alguma flexibilidade, sendo ressalvadas as situações de força maior, à semelhança das condições de prestação de trabalho suplementar constantes do n.º 2 do artigo 227.º.
Ainda que singulares, estas alterações poderão decorrer do interesse em combater o fenómeno do quiet quitting, da conjugação entre a necessidade de o legislador estabelecer condições atrativas para os trabalhadores que vão para além do contrato, as exigências da Entidade Empregadora e, simultaneamente, a limitação dos poderes do empregador, circunstanciados (em parte) ao tempo e local de trabalho.
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