Proposta de Regulamento Europeu sobre o acesso equitativo aos dados e a sua utilização (Data Act): um grande passo na transformação da economia dos dados?

A Comissão Europeia divulgou a proposta do Data Act no passado dia 23 de fevereiro de 2022. Este diploma integra a estratégia europeia para os dados, que “visa garantir o papel de liderança da UE numa sociedade baseada em dados”, complementando a já adotada proposta de Regulamento de Governação de Dados.

Para 2025, a Comissão Europeia prevê um aumento de 530% do volume mundial de dados (de 33 zetabytes em 2018 para 175 zetabytes), estima que o valor da economia de dados na EU27 seja de 829 mil milhões de Euros (contra 301 mil milhões de EUR (2,4 % do PIB da UE) em 2018), que haja 10,9 milhões de profissionais do setor dos dados na UE27 (contra 5,7 milhões em 2018) e que a percentagem da população da UE com competências digitais básicas seja de 65% (contra 57% em 2018).

Em linha com estas previsões, e atendendo ao facto de os dados constituírem um recurso essencial para assegurar as transições ecológica e digital, a Comissão pretende “disponibilizar mais dados para utilização e estabelecer regras sobre quem pode utilizar e aceder aos dados, e para que fins, em todos os setores económicos da UE”.

Assim, o objetivo último da presente proposta é o de fomentar uma utilização mais ampla de dados, estimulando a economia dos dados, o que passa, desde logo, pela eliminação de barreiras tecnológicas e de “incentivos económicos contraditórios”, mas também pela promoção da partilha de dados entre empresas (B2B) e entre empresas e a administração pública (B2G).

Os principais propósitos da proposta são:

     1. Facilitar o acesso aos dados e a sua utilização por parte dos consumidores e das empresas, preservando ao mesmo tempo os incentivos ao investimento em formas de gerar valor através dos dados;

     2. Prever a utilização, por parte dos organismos do setor público e das instituições, agências ou organismos da União, dos dados necessários para o desempenho de funções de interesse público que estejam na posse de empresas, em determinadas situações em que haja uma necessidade excecional de dados, desde logo, em casos de emergências de saúde pública ou catástrofes naturais ou provocadas pelo homem;

      3. Facilitar a mudança entre serviços de computação em nuvem e serviços periféricos, permitindo aos utilizadores a mudança eficaz de prestador de serviços de processamento de dados em nuvem;

      4. Criar garantias contra a transferência ilícita de dados por parte dos prestadores de serviços de computação em nuvem;

      5. Prever o desenvolvimento de normas de interoperabilidade para os dados a reutilizar entre setores;

      6. Coerência com as disposições existentes da mesma política setorial

A proposta, cujo âmbito de aplicação territorial é bastante vasto, estabelece “regras harmonizadas sobre a disponibilização de dados gerados pela utilização de um produto ou serviço conexo ao utilizador desse produto ou serviço, sobre a disponibilização de dados pelos detentores dos dados aos seus destinatários e sobre a disponibilização dos dados pelos detentores a organismos do setor público ou a instituições, agências ou organismos da União, em caso de necessidade excecional, para o desempenho de uma missão de interesse público”.

São considerados dados “qualquer representação digital de atos, factos ou informações e qualquer compilação desses atos, factos ou informações, incluindo sob a forma de gravação sonora, visual ou audiovisual”, pelo que se incluem dados pessoais e dados não pessoais.

Estão previstas medidas destinadas a garantir que os utilizadores de um produto ou serviço conexo na União possam aceder aos dados gerados pela sua utilização, utilizá-los e partilhá-los com terceiros. Estes terceiros devem tratar os dados apenas para as finalidades e nas condições acordadas com o utilizador, respeitando os direitos do titular dos dados.

Sobre os detentores de dados recai ainda a obrigação de disponibilizar os dados aos destinatários ao abrigo de cláusulas equitativas, razoáveis e não discriminatórias e de forma transparente.

Os detentores de dados poderão solicitar aos destinatários uma “compensação razoável” quando forem legalmente obrigados a disponibilizar os dados. Atendendo aos desequilíbrios contratuais muitas vezes presentes quando uma das partes se encontra numa posição negocial mais forte, algumas cláusulas contratuais terão que passar o crivo do “teste do caráter abusivo”, de forma a evitar que o acesso aos dados por parte de micro, pequenas e médias empresas se torne “economicamente proibitivo”. Será considerada abusiva a cláusula contratual cuja “utilização se desvie manifestamente das boas práticas comerciais em matéria de acesso e utilização de dados, contrariamente à boa-fé e às práticas comerciais leais”.

Embora não se possa antever o caminho negocial que se seguirá, é já seguro afirmar que a proposta trará consequências abrangentes para os cidadãos, empresas e organismos públicos, podendo desempenhar um papel importante na transformação digital e assinalar uma mudança significativa na abordagem da União Europeia à economia dos dados.

Partilhe este artigo:

Deixe um comentário