Discriminação na tributação de dividendos pagos a fundos não residentes – Acórdão AllianzGI-Fonds AEVN contra Autoridade Tributária e Aduaneira (processo C-545/19)

No contexto de um reenvio prejudicial impulsionado pelo CAAD (Centro de Arbitragem Administrativa) surgiu o acórdão AllianzGI-Fonds AEVN do TJUE que visava esclarecer se, eventualmente, a legislação portuguesa constante do art. 22.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante designado por EBF) estaria a desrespeitar o Tratado de Funcionamento da União Europeia (doravante designado por TFUE), designadamente, quanto às suas disposições sobre a liberdade de circulação de capitais (art. 63.º TFUE).

O art. 22.º EBF prevê a retenção na fonte de imposto (em sede de IRC) com carácter liberatório sobre os dividendos recebidos de sociedades portuguesas a favor de OIC (Organismos de Investimento Coletivo) não residentes em Portugal e estabelecidos noutros países da União Europeia. Em contrapartida, os OIC constituídos ao abrigo da legislação fiscal portuguesa e residentes fiscais em Portugal poderiam beneficiar de uma isenção de retenção na fonte sobre tais rendimentos

Em causa, no processo principal, estava um litígio respeitante a um pedido de anulação de atos que procederam à retenção na fonte dos dividendos pagos à recorrente no processo principal por sociedades estabelecidas em Portugal relativamente aos anos de 2015 e 2016, bem como à compatibilidade com o direito da União de uma legislação nacional que reserva a possibilidade de beneficiar da isenção dessa retenção na fonte aos OIC constituídos e que operam de acordo com a legislação portuguesa ou cuja entidade gestora opera em Portugal através de um estabelecimento estável (que não era o caso da AllianzGI-Fonds AEVN).

No fundo, a questão-alvo do reenvio prejudicial poderia enunciar-se da seguinte forma: ao prever uma retenção na fonte sobre os dividendos pagos aos OIC não residentes e reservar aos OIC residentes a possibilidade de obter a isenção de retenção na fonte, a regulamentação nacional em causa no processo principal procede a um tratamento desfavorável dos dividendos pagos aos OIC não residentes, uma vez que a estes últimos não lhes é dada qualquer possibilidade de aceder a semelhante isenção?

O TJUE procurou perceber se estaríamos perante uma restrição à liberdade fundamental da livre circulação de capitais (incluem-se aqui as restrições suscetíveis de dissuadir os não residentes de investir em dado Estado-membro ou os residentes de investirem noutros Estados). No caso em apreço, tal poderia suceder, à partida.

No entanto, o art. 65.º n.º1 al. a) TFUE estabelece o direito de os Estados-membros aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido.

A interpretação desta disposição é muito restrita, sendo necessário que a diferença de tratamento daí decorrente diga respeito a situações que não sejam objetivamente comparáveis ou se justifique por uma razão imperiosa de interesse geral.

Ora, de acordo com a aceção jurisprudencial do TJUE, a situação de um OIC residente que beneficia de uma distribuição de dividendos é comparável à de um OIC beneficiário não residente, na medida em que, em ambos os casos, os lucros realizados podem, em princípio, ser objeto de dupla tributação económica ou de tributação em cadeia, afastando o argumento principal dado pelo Estado português.

Além disto, importou ao TJUE entender se estaríamos perante alguma razão imperiosa de interesse geral como alegado pelo Estado português, a coerência do sistema fiscal e necessidade de preservar uma repartição equilibrada do poder de tributar entre a República Portuguesa e a República Federal da Alemanha dado ser a sede do OIC AllianzGI-Fonds AEVN. No entanto, esta perspetiva não foi acolhida.

Neste sentido, o TJUE  decidiu declarar que “o artigo 63.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação de um Estado-Membro por força da qual os dividendos distribuídos por sociedades residentes a um organismo de investimento coletivo (OIC) não residente são objeto de retenção na fonte, ao passo que os dividendos distribuídos a um OIC residente estão isentos dessa retenção”.

Como tal, a dispensa de retenção na fonte prevista para OIC portugueses deveria também ser aplicada a OIC não residentes, sob pena de violação da liberdade fundamental de circulação de capitais, em linha com uma posição que já vinha a ser defendida por vários tribunais arbitrais portugueses e, podendo, consequentemente, introduzir grandes diferenças naquilo que ao tratamento da questão diz respeito.

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