Nos últimos anos, o fenómeno da digitalização teve um vultoso impacto nas nossas vidas. Hoje em dia, é-nos permitido estar digitalmente conectados a todo o tempo, o que, invariavelmente, resultou em modificações nas mais diversas áreas do nosso quotidiano. Com efeito, atualmente, o papel de algumas plataformas em linha tem um impacto direto na atividade de milhões de consumidores e empresas europeias. É de salientar que esta realidade, de modo geral, beneficia os utilizadores de serviços digitais. Contudo, acarreta, também, algumas preocupações, que merecem a nossa maior atenção.
Ora, anteriormente, as plataformas em linha podiam ser utilizadas, de forma abusiva, para difundir conteúdos impróprios e oferecer serviços ilegais, bem como para vender mercadorias perigosas, expondo os cidadãos comuns a danos. De facto, as plataformas on-line desenvolviam as suas atividades sem estarem praticamente subjugadas a quaisquer normativos que fossem atuais e pudessem acautelar estes flagelos contemporâneos. As iniciativas legislativas dos Estados-Membros apenas resolviam parcialmente os problemas identificados, provocando uma maior fragmentação regulamentar comunitária e dificultando a segurança jurídica dos intervenientes. Deste modo, demonstrou ser essencial o desenvolvimento de um instrumento que não só protegesse devidamente os consumidores da União Europeia, mas também uniformizasse e estabelecesse novos mecanismos que permitissem, à Comissão Europeia e aos Estados-Membros, assegurar a aplicação de um novo conjunto de regras relativas à utilização de serviços digitais.
Neste seguimento, no final do ano passado, concretamente a 16 de novembro de 2022, entrou em vigor legislação europeia tocante às plataformas em linha. Sob a forma de um Regulamento, Bruxelas consagrou um novo conjunto de regras para um ambiente em linha mais seguro e responsável.
O Regulamento dos Serviços Digitais, ou Digital Services Act (DSA), é aplicável a todos os serviços digitais que conectam consumidores ou empresas a bens, serviços ou conteúdos. Pelo que os serviços em linha abrangidos pelo Regulamento incluem prestadores de serviços intermediários que oferecem infraestruturas de rede; prestadores de serviços de armazenagem em servidor; motores de pesquisa em linha de grande dimensão (45 milhões de utilizadores); plataformas em linha que reúnam vendedores e consumidores e plataformas em linha de grande dimensão (45 milhões de utilizadores), sendo que o grau de severidade das recentes imposições legais varia consoante o serviço em linha em questão.
O DSA veio criar obrigações abrangentes para as plataformas em linha e, com o intuito de reduzir danos e de combater riscos, introduziu uma firme proteção dos direitos fundamentais dos utilizadores em linha e instituiu uma revolucionária moldura de transparência e responsabilidade para as plataformas digitais. Em suma, o DAS introduziu um conjunto uniforme de normas comunitárias fundadas em dois princípios basilares: o respeito pelos direitos fundamentais dos consumidores e a introdução de uma maior certeza jurídica para plataformas digitais. Desta forma, foi cumprindo o objetivo de criar um espaço digital seguro para cidadãos e empresas da UE, regulando as obrigações dos serviços digitais que atuam como prestadores e intermediários no seu papel de ligar todos os utilizadores a bens, serviços e conteúdos on-line.
Sintetizando, direcionado aos utilizadores, o novo ato legislativo introduziu as seguintes medidas:
- Uma maior informação dos utilizadores, sendo-lhes permitido refutar a remoção dos seus conteúdos, pelas plataformas;
- Acesso a mecanismos de resolução de litígios no seu próprio país;
- Maior certeza on-line, devido à imposição de condições transparentes para as plataformas;
- Maior segurança e melhor conhecimento dos verdadeiros vendedores de produtos aos quais os utilizadores possam comprar;
- Maior proteção dos direitos dos utilizadores devido às obrigações rigorosas das plataformas em linha de grande dimensão de avaliar e atenuar os riscos ao nível da organização global do seu serviço, nomeadamente, evitar os riscos de propagação viral de conteúdos ilegais ou nocivos;
- Mecanismos de resposta rápida a situações de crise com medidas adicionais de gestão dos riscos para crises de saúde pública e de segurança;
- Novas proteções para menores;
- Proibição de anúncios específicos em plataformas em linha dirigidos a menores ou que utilizam dados pessoais sensíveis;
- Possibilidade de investigadores acederem a dados das plataformas, a fim de compreender os riscos para a sociedade e os direitos fundamentais.
Relativamente a empresas, o DSA:
- Eliminou fatores possivelmente dissuasores à adoção de medidas voluntárias pelas empresas com o intuito de proteger os seus utilizadores de conteúdos, bens ou serviços ilegais;
- Introduziu novos mecanismos simples e eficazes à disposição das empresas para assinalar conteúdos e mercadorias ilegais que violem os seus direitos, incluindo os direitos de propriedade intelectual, ou que concorram de forma desleal;
- Apresentou o inovador estatuto de “sinalizador de confiança”, que permite às empresas sinalizarem conteúdos ou mercadorias ilegais, com procedimentos prioritários especiais, em estreita cooperação com as plataformas;
- Reforçou a obrigatoriedade de os mercados aplicarem medidas dissuasivas, tais como políticas de “conhecer o cliente empresarial”;
- Influenciou as empresas a realizar esforços razoáveis para concretizar controlos aleatórios dos produtos vendidos no seu serviço ou adotarem novas tecnologias para a rastreabilidade dos seus produtos.
Direcionado às plataformas digitais, o Regulamento dos serviços digitais introduziu:
- Medidas destinadas a combater os bens, serviços ou conteúdos ilegais em linha, tais como a imposição de as plataformas adotarem um mecanismo que permita aos utilizadores sinalizar esses conteúdos para se colaborar com «sinalizadores de confiança»;
- Novas obrigações em matéria de rastreabilidade dos utilizadores profissionais nos mercados em linha, que ajudarão a detetar os vendedores de bens ilegais;
- Garantias eficazes para os utilizadores, incluindo a possibilidade de contestar as decisões das plataformas no que respeita à moderação dos conteúdos por si publicados;
- Medidas de transparência de vasto alcance para as plataformas em linha, nomeadamente no que toca ao tipo de algoritmos utilizados para efeitos de recomendação;
- Imposição de obrigações às grandes plataformas, isto é, às utilizadas por mais de 10 % da população da União Europeia, a fim de evitar qualquer utilização abusiva dos seus sistemas, através da adoção de medidas baseadas nos riscos e da realização de auditorias independentes dos respetivos sistemas;
- Acesso, por parte dos investigadores, aos dados das principais plataformas, de forma a que seja permitido analisar o funcionamento das mesmas;
- Introdução de códigos de conduta e normas técnicas que ajudarão as plataformas e os outros intervenientes a respeitar as novas regras;
- Criação de códigos de conduta que reforçarão as medidas tomadas para garantir a acessibilidade das plataformas às pessoas com deficiência ou apoiarão novas medidas em matéria de publicidade;
- Uma nova estrutura de supervisão à altura da complexidade do espaço em linha: os Estados-Membros terão o papel principal, com o apoio de um novo Comité Europeu dos Serviços Digitais que contará com a supervisão da Comissão, no caso das plataformas de muito grande dimensão.
- Âmbito de aplicação mais alargado, na medida em que todos os intermediários em linha que oferecem os seus serviços no mercado único, quer estejam estabelecidos na UE ou fora do seu território, terão de cumprir as novas regras.
Por fim, deve ser acrescentado que na sequência da entrada em vigor do Regulamento dos Serviços Digitais, até dia 17 de fevereiro de 2023, as entidades prestadoras de serviços digitais devem comunicar o número de utilizadores finais ativos dos seus sítios Web. Com base nos números disponibilizados, a Comissão determinará se uma plataforma deve ser designada como uma plataforma em linha ou motor de pesquisa de muito grande dimensão. Uma vez qualificada, a entidade em questão dispõe de quatro meses para cumprir as obrigações decorrentes do Regulamento Serviços Digitais, nomeadamente no que respeita à realização e apresentação à Comissão do primeiro exercício anual de avaliação dos riscos.
Relativamente aos Estados-Membros, há uma obrigatoriedade de empossar os coordenadores nacionais dos serviços digitais até 17 de fevereiro de 2024, data geral de entrada em aplicação do Regulamento Serviços Digitais, que será então plenamente aplicável a todas as entidades abrangidas pelo seu âmbito de aplicação.
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