Regime jurídico especial da moratória nos créditos e financiamentos, em situação de insolvência

O Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de março, estabelece “medidas excecionais de proteção dos créditos das famílias, empresas, instituições particulares de solidariedade social e demais entidades da economia social, bem como um regime especial de garantias pessoais do Estado, no âmbito da pandemia da doença COVID-19.” Particularmente no que às empresas diz respeito, o objetivo é o de reforçar a sua tesouraria e liquidez.

Este diploma institui, portanto, um regime de moratória aplicável a créditos e financiamentos, até 30 de setembro de 2020 (entretanto alargado até 31 de março de 2021 pelo Decreto-Lei n.º 26/2020, de 16 de junho), e prevê: i) a proibição de revogação das linhas de crédito contratadas; ii) a prorrogação ou suspensão de créditos; e iii) um regime das garantias pessoais do Estado.

As empresas que podem beneficiar deste regime têm que cumprir um conjunto de requisitos, definidos no seu artigo 2.º: terem sede e exercer a sua atividade económica em Portugal; serem classificadas como microempresas, pequenas ou médias empresas1; não estarem, a 18 de março de 2020, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de 90 dias junto das instituições, ou estando não cumpram o critério de materialidade previsto no Aviso do Banco de Portugal n.º 2/2019 e no Regulamento (UE) 2018/1845 do Banco Central Europeu, de 21 de novembro de 2018, e não se encontrem em situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela data estejam já em execução por qualquer uma das instituições; terem a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social, na aceção, respetivamente, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, não relevando até ao dia 30 de abril de 2020, para este efeito, as dívidas constituídas no mês de março de 2020.

O artigo 3.º do mencionado diploma define o seu âmbito objetivo: estão em causa operações de crédito concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras de crédito e outras sociedades cujo objeto seja similar.

As entidades que beneficiam deste regime gozam das seguintes medidas de apoio, referentes a operações de crédito: proibição de revogação de linhas de crédito contratadas e empréstimos concedidos durante o período em que vigore a presente medida; prorrogação, por um período igual ao prazo de vigência da presente medida, de todos os créditos com pagamento de capital no final do contrato, vigentes à data de entrada em vigor do presente decreto-lei, juntamente, nos mesmos termos, com todos os seus elementos associados, incluindo juros, garantias, designadamente prestadas através de seguro ou em títulos de crédito; e a suspensão do pagamento do capital, rendas e juros com vencimento previsto até ao término do período em que vigore a presente medida, relativamente a créditos com reembolso parcelar de capital ou com vencimento parcelar de outras prestações pecuniárias. O legislador definiu que estas medidas não originam qualquer incumprimento contratual.

Isto posto, concluímos que o legislador é claro quanto à exclusão do acesso a este regime por parte das empresas que se encontrem em situação de insolvência, o que se compreende porque a declaração de insolvência determina o vencimento de todas as obrigações do insolvente que não estejam subordinadas a uma condição suspensiva, nos termos do artigo 91.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

Não obstante, urge também referir que o dever de apresentação à insolvência, previsto no artigo 18.º do CIRE – que, quando incumprido, gera a presunção da existência de culpa grave dos administradores (v. art. 186.º, n.º, 3, alínea a))-, se encontra suspenso por determinação do artigo 7.º, n.º 6, alínea a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, com a redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril. A suspensão do dever de apresentação à insolvência é aplicável com efeitos retroativos desde 9 de março de 2020 (v. artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020).

Já no caso das empresas que tenham iniciado um Processo Especial de Revitalização (v. artigos 17.º-A e seguintes do CIRE) ou que estejam submetidas ao Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas (v. Lei n.º 8/2018, de 2 de março), nada obsta a que beneficiem das medidas previstas no Decreto-Lei n.º 10-J/2020. O que o artigo 6.º deste diploma terá pretendido clarificar é que os direitos ou posições dos credores nesse âmbito, como a reclamação dos créditos, a participação em negociações e a votação, não são prejudicados pela aplicação deste regime da moratória ao devedor – e não excluir o acesso, por parte destas empresas, ao regime especial da moratória nos créditos e financiamentos.


1 De acordo com a Recomendação 2003/361/CE da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003. As grandes empresas também estão abrangidas, com exclusão das que integrem o sector financeiro, nos termos do n.º 3 do artigo 2.º deste diploma.

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