A Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas como Modelo de Sociedade Desportiva – Artigo de opinião de Joana Mendes Sampaio

O decreto-lei 10/2013 de 25 de janeiro estabelece o Regime Jurídico das Sociedades Desportivas a que ficam sujeitos os Clubes Desportivos que pretendem participar em competições Desportivas Profissionais, sendo ainda aplicável, nos termos do nº3 do artigo 1º do diploma, a todas as entidades desportivas que optem pela forma jurídica de sociedade desportiva, ainda que não pretendam participar em competições desportivas profissionais. O Código das Sociedades Comerciais é aplicável subsidiariamente, nos termos do artigo 5.º Lei das Sociedades Desportivas (LSD).

Esta obrigatoriedade de constituição de sociedade desportiva para a participação em competições profissionais veio responder à necessidade de assegurar a transparência e o rigor na gestão das Sociedades Desportivas.

Com a Lei das Sociedades Desportivas surgiu a possibilidade de constituição de sociedade desportiva sob a forma de Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas, na qual o único sócio é obrigatoriamente o clube fundador. Até então apenas era admitida a Sociedade Desportiva sob a forma de Sociedade Anónima Desportiva.

Assim, para efeitos do decreto-lei supra, é sociedade desportiva a pessoa coletiva de direito privado, constituída sob a forma de sociedade anónima desportiva (SAD) ou de sociedade desportiva unipessoal por quotas (SDUQ), numa das modalidades previstas no artigo 3º da Lei das Sociedades Desportivas, cujo objeto consista na participação numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espetáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que estas sociedades têm por objeto, conforme se encontra previsto nos termos do nº1 do artigo 2º LSD.

A análise à estrutura e regime das Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas revelam ser inadequados às especificidades de regulação que reclamam as sociedades desportivas em Portugal, quando comparado ao regime das Sociedades Anónimas Desportivas.

A Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas é administrada e representada por um ou mais gerentes, que devem praticar atos que são necessários ou convenientes para a realização do objeto social, em Assembleia Geral, com respeito pelas deliberações dos sócios nos termos do artigo 259.º CSC, o que não assegura a completa autonomia do órgão de administração relativamente à intervenção do clube fundador. O mesmo já não acontece em relação à administração da Sociedade Anónima Desportiva, que é administrada pelo Conselho de Administração, competindo-lhe gerir as atividades e representar a sociedade (405ºCSC). Detém um órgão de Fiscalização, nomeadamente um Conselho Fiscal ou Revisor Oficial de Contas, nos termos do artigo 413.º e 414.º CSC.

Ora, querendo ter uma gestão profissionalizada de uma Sociedade Desportiva o modelo da Unipessoal por Quotas não é melhor opção.  O facto de não estar previsto um órgão de fiscalização para o regime da sociedade desportiva unipessoal por quotas leva a uma grande insegurança no que toca à gestão financeira da sociedade. As Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas não podem ser sociedades de influência de sócios, a gestão deve ser profissional.

Nos termos do artigo 64.º CSC os gerentes e os administradores devem observar deveres de cuidado, empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado, e ainda deveres de lealdade, na medida em que terão de atender aos interesses dos sócios e ponderar os interesses da própria sociedade. Como é que o gerente de uma sociedade desportiva unipessoal por quotas vai ponderar os interesses da própria sociedade, se deve obediência pelas deliberações dos sócios e se não há nenhum órgão de fiscalização que garanta padrões de diligência profissional e deveres de lealdade? Como se garante estes deveres nas Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas?

A Liga Portuguesa de Futebol através do Regulamento das Competições Organizadas pela Liga de Futebol Profissional, tentou solucionar esta diferença de regimes, fazendo remissão para o nº1 do artigo 262.º do CSC, no nº3 do artigo 9.º do Regulamento supra. Assim, tal como está previsto “sociedades desportivas unipessoais por quotas que participem na Liga NOS e na LEDMAN Liga Pro devem prever nos respetivos estatutos a existência de um órgão de fiscalização, nos termos do n.º 1 do artigo 262”. Esta remissão não veio resolver a questão, já que nos termos do nº1 do 262.º CSC refere apenas que o contrato de sociedade pode determinar que a sociedade tenha um conselho fiscal, não há nenhuma imposição legal.

Por outro lado, e voltando à Lei das Sociedades Desportivas, atente-se ao artigo 15.º  sobre a composição da Administração das Sociedades Desportivas. Ora segundo o preceito, o órgão de administração da sociedade é composto por um número de membros, fixado nos estatutos, no mínimo de um ou de dois gestores executivos, consoante se trate de Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas ou Sociedade Anónima Desportiva, respetivamente. Ora exige-se na SDUQ um gestor executivo e na SAD dois ou mais gestores executivos.

Gestor executivo? Estamos perante a figura da delegação de poderes em sentido próprio – os gestores delegam funções a um gestor executivo. Os gestores não executivos fiscalizam a atividade dos gestores executivos e verificam a sua atuação. Esta delegação é feita para atos de gestão e prevista para o Regime das Sociedades Anónimas, nos termos dos artigos 407.º e 408.º CSC. Na Sociedade Unipessoal por Quotas não existe a figura da delegação de poderes, pois a função da gerência é indelegável por força dos artigos 252.º e 261.º CSC, uma vez que não há nenhuma norma especial que afaste o regime geral (embora se encontre muitos estatutos de Sociedade Desportivas Unipessoais por Quotas com menção a gestores não executivos).

Portanto, nas Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas todos os gerentes exercem diretamente as suas funções e embora o nº1 do artigo 15.º LSD faça referência a um gerente executivo para as SDUQ, a verdade é que neste regime, todos os gerentes serão gerentes executivos. Não há nada que autorize essa delegação de poderes.

Esta ressalva tem enorme importância no que toca à responsabilidade dos próprios gestores, que assumem responsabilidade como gestores executivos e tão só como gestores executivos nas Sociedades Desportivas Unipessoais por Quotas. A Lei das Sociedades Desportivas não pretende impor a delegação de poderes, mas fica a dúvida[1].

Estes são alguns dos problemas que se colocam com a aplicação do novo Regime Geral. A legislação vigente nesta matéria não garante a gestão profissionalizada no modelo de Sociedade Desportiva Unipessoal por Quotas e confronta o interprete com imensas dificuldades.


[1] Sobre a Responsabilidade dos membros da Administração, Cfr. Maria de Fátima Ribeiro, O Órgão de Administração das Sociedades Desportivas e a Responsabilidade dos Seus Membro

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