As Novas Regras nas Relações de Consumo

A Diretiva da União Europeia 2019/2161 do Parlamento Europeu e do Conselho, emitida no dia 27 de novembro teve, como todos os elementos legislativos do género, transposição parcial para o ordenamento jurídico português por meio do Decreto-Lei n.º 109-G/2021, de 10 de dezembro.

O objetivo e foco primordiais da diretiva era o de reforçar os direitos dos consumidores ao introduzir regras que contribuem para uma maior transparência das plataformas, tudo no mundo das relações comerciais online.

  1. O que são relações de consumo?

As relações de consumo podem ser definidas de forma muito clara e concisa. Definem-se, nada mais, nada menos, como relações entre o fornecedor e o consumidor. Simplificando, mais ainda, trata-se da relação entre o último e o penúltimo estádio na rota de um produto, desde a sua conceção até ao consumidor final. Em termos jurídicos, esta relação divide-se entre dois elementos: o objetivo e o subjetivo. O elemento objetivo, é a prestação de serviços, o objeto que torna a relação possível. Consequentemente, o elemento subjetivo, é composto pelas partes fornecedor-consumidor.

  1. Quais são as relações de consumo visadas por esta alteração?

Conforme consta da descrição que desencadeou esta reflexão jurídica, as novas regras nas relações de consumo, incidirão primordialmente sobre todas as relações comerciais realizadas em plataformas digitais, sobre o comércio online.

É de facto patente, e inequívoca a intenção de conceder ao consumidor um leque muito mais abrangente de proteção relativa a transações comerciais digitais o que será facilmente justificável pelo aumento e crescimento exponenciais desse tipo de consumo e do surgimento de mais plataformas onde, a venda à distância não é só a forma primordial, mas exclusiva, de comércio. Por outro lado, da perspetiva do fornecedor, as alterações legislativas aumentam o escopo das restrições aplicadas e uma maior atenção a práticas que, não tendo sido, até à sua entrada em vigor, ilegais, foram sido reconhecidas como desleais e enganosas no mercado.

  1. De que forma se refletem, as novas regras, no nosso ordenamento jurídico?

As alterações legislativas foram distribuídas pelo ordenamento jurídico português como aditamentos, atualizações e alterações de diplomas legislativos existentes no campo do comércio.

Distribuíram-se então pela Lei da Defesa do Consumidor, Lei n.º 24/96, de 31 de julho; pelo Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril e n.º 70/2007, de 26 de março, com a designação “Preços de bens destinados à venda a retalho”; Regime das práticas comerciais desleais, Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março; pela Contratação à distância, Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro e, por último, ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro.

  1. Quais as principais alterações a cada diploma?

Na Lei da Defesa do Consumidor destaca-se o valor da obrigação de informar o consumidor sobre o período de garantia, tanto de produtos físicos como de prestações digitais (como NFTs) e sobre a funcionalidade, compatibilidade e interoperabilidade de bens, não só puramente digitais como os bens que contenham em si, elementos digitais.

Nos Decretos-Lei relativos aos preços de bens destinados à venda de retalho é de realçar um aumento da especificidade exigida em campanhas de redução do preço dos produtos, sejam elas, liquidações, promoções e saldos, de forma a que o consumidor possa ter a perceção realista da anunciada redução. Sai a obrigatoriedade da apresentação da percentagem da redução realizada, e entra a obrigação de exibição do preço praticado sobre o produto nos 30 dias imediatamente anteriores ao início da redução. No caso de produtos perecíveis, ou que se encontrem a um mês do término do seu prazo de validade, o preço de referência passa a ser o mais baixo que tenha sido praticado nos 15 dias consecutivos imediatamente anteriores ao início da redução. Tal prática é muito bem-vinda, uma vez que, em muitos agentes de venda a retalho, muitas vezes torna-se impercetível a efetiva redução de preço quando não se sabe a que preço está a ser comparada.

Na vertente das práticas comerciais desleais, foram várias as inovações fruto, mais uma vez, da evolução positiva exponencial destas práticas e omissões, associadas ao crescimento ininterrupto do mercado nos últimos anos, especialmente desde o início da pandemia do vírus SARS-Cov.2. Do vasto leque de inovações apresentado destacam-se algumas de extrema pertinência para o sociedade civil como um todo, a saber: constitui prática desleal a revenda de bilhetes previamente adquiridos por profissional deliberadamente, por forma a aumentar a margem de lucro e contornar as regras de limitação de unidades impostas legalmente e, mais premente, a garantia de verdade e transparência das avaliações feitas por consumidores sobre produtos e bens adquiridos, recaindo sobre o fornecedor, o ónus de tomar todas as diligências possíveis e razoáveis para assegurar essa mesma imparcialidade ficando estritamente proibido assegurar qualquer vantagem, ou promessa de vantagem a consumidores ou terceiros, em troca dessas mesmas avaliações positivas. Na parte das omissões desleais destaca-se a obrigação de garantir que, quando se trate de uma plataforma que estabelece contacto entre consumidor e prestadores de serviços, os prestadores apresentados tem de facto qualificação profissional na sua área de desígnio e, também, que quando se efetua alguma pesquisa de um tipo de produto, a ordem em que os mesmos se apresentam tem um critério, e o que mesmo é passível de ser inequivocamente conhecido pelo consumidor, i.e. o mais barato ou o mais recente. Quanto aos contratos celebrados à distância há apenas um elemento a destacar, uma vez que as restantes alterações são adaptações das regras mencionadas acima. Dá-se uma extensão do chamado “direito ao arrependimento”, do prazo da livre resolução do contrato pelo consumidor, sem necessidade de qualquer explicação de 14 para 30 dias no caso de contratos celebrados pela deslocação do fornecedor de bens, celebrados no domicílio do consumidor ou de serviços prestados fora do estabelecimento comercial. Por último, no campo das cláusulas contratuais gerais, dá-se a tão antecipada, e já largamente consensual na prática, qualificação como contraordenação muito grave, a utilização de cláusulas contratuais gerais absolutamente proibidas.

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