O artigo 26.º da Lei 41/2015 e as limitações à autonomia das partes quanto à forma e conteúdo do contrato de empreitada

Os contratos de prestação de serviços celebrados entre particulares concedem, normalmente, uma ampla liberdade e autonomia às partes para decidir a forma do contrato e conformar o seu conteúdo, nos termos dos artigos 219.º e 405.º, ambos do Código Civil.

No que à empreitada diz respeito, o artigo 1207.º do Código Civil refere que é o contrato através do qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço e não estatui qualquer exigência no que toca à manifestação da vontade das partes para que uma se obrigue à realização de uma obra e a outra ao pagamento do preço. Deste modo, estamos perante um contrato consensual, bastando, para a sua validade, que tal contrato seja celebrado verbalmente. Neste âmbito, é frequente as partes concluírem o negócio mediante a aceitação, pelo dono da obra, da proposta de orçamento apresentada pelo empreiteiro.

Apesar disso, no âmbito de uma empreitada e subempreitada para obras de construção civil particulares, é necessário ter atenção às exigências que surgem em legislação avulsa e que se impõem à liberdade e autonomia que as partes têm na modelação da forma e conteúdo destes contratos particulares.

Nos termos do n.º 1 do artigo 26.º Lei 41/2015, de 03 de junho, que estabelece o regime jurídico aplicável ao exercício da atividade da construção, os contratos de empreitada e subempreitada de obras particulares estão, imperativamente, sujeitos à forma escrita quando o seu valor ultrapasse 10% do limite fixado para a classe 1, sob pena de nulidade.

De acordo com os valores fixados no artigo 1.º da Portaria n.º 119/2012, de 30 de abril, na redação atribuída pela Declaração de Retificação n.º 27/2012, de 30 de maio, que fixa as classes das habitações, os contratos de empreitada com valor superior a 16.600,00 Euros – 10% de 166.000,00 Euros – estão sujeitos à forma escrita por exigência do referido regime jurídico.

Estamos perante uma exigência de forma escrita como formalidade ad substantiam, sem a qual as partes não se podem vincular a um contrato de empreitada válido e eficaz. Entende a nossa jurisprudência que a preterição da forma escrita não acarreta apenas a sua nulidade, mas também consequências em sede de direito probatório, impondo limitações aos meios de prova admissíveis. Assim sendo, a sua falta não pode ser suprida, nos termos do disposto no artigo 364.º, n.º 1 do Código Civil, por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior à do documento exigido.

Importa notar que, esta impossibilidade de utilização de outros meios probatórios, releva apenas para efeitos da prova da celebração válida do contrato, impedindo que uma das partes se possa fazer valer dos efeitos do contrato como se se tratasse de um contrato válido. Já não existirá tal obstáculo para a prova do negócio nulo por falta de forma e, com isto, alcançar os efeitos decorrentes da respetiva nulidade.

A exigência da forma escrita nestes contratos de empreitada, visa, essencialmente, acautelar a ligeireza das partes na contratação, bem como, garantir maior segurança jurídica quanto à relação estabelecida e ao seu conteúdo, numa área que assume importância na vida dos particulares.

A par da exigência da forma escrita para a celebração do contrato, a lei impõe que o documento discrimine (i) a identificação completa das partes contraentes, (ii) a identificação dos alvarás, certificados ou registos das empresas de construção intervenientes, (iii) a identificação do objeto do contrato, incluindo as peças escritas e desenhadas, (iv) o valor do contrato e (v) o prazo de execução da obra.

Deste modo, ainda que o orçamento, ou qualquer outro documento complementar ou instrutório da empreitada, seja assinado e rubricado por ambas as partes em modo de aceitação do mesmo, tal poderá não ser suficiente para que se possa descortinar a celebração válida de um contrato escrito para efeitos do disposto no artigo 26.º da Lei 41/2015, de 03 de junho, uma vez que este normativo impõe que o documento escrito cumpra com o referido conteúdo mínimo legal, impondo-se à autonomia privada das partes.

Alguma jurisprudência dos nossos tribunais superiores foi mais longe, considerando, não só a necessidade do preenchimento pleno dos requisitos de conteúdo expressos na lei, mas também a inexistência de qualquer controvérsia sobre a vinculação das partes ao documento que reflita o mútuo consenso alcançado pelas partes e as obrigações a que se vinculam. Embora possa existir qualquer documento que mencione o prazo de execução, o preço, os materiais a utilizar e seja rubricado e assinado pelas partes, mas não inclua “qualquer menção à qualidade em que os autores dessas assinaturas apuseram nelas a sua assinatura e sem que, ao longo desse documento, se faça qualquer referência ao estado civil, ao número de identificação civil e fiscal dos autores dessas assinaturas e sem se fazer menção ao alvará do empreiteiro e sem que, ao longo desse documento, conste qualquer declaração expressa feita pelo dono da obra, não configura redução a escrito do contrato de empreitada celebrado entre empreiteiro e dono da obra” (vide Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18-06-2020, processo n.º 1901/17.2T8VRL.G1).

Posto isto, impondo a lei forma e conteúdo para a celebração destes contatos, é de se exigir que o consenso alcançado seja patente e descortinável no documento escrito que as partes assinam, de modo a se poder dizer, com a segurança, que existe um contrato – formal – em que, por um lado, uma parte se obriga perante a outra a realizar uma obra, e por outro, a contraparte aceita a realização dessa obra e se obriga ao pagamento do preço como sua contraprestação.

Com vista a garantir a efetividade da ponderação e segurança na contratação de tal empreitada, o legislador incumbe o empreiteiro de se certificar que o contrato é reduzido a escrito e cumpre com o conteúdo mínimo legal, onerando-o com a impossibilidade de invocar a nulidade que resulte da inobservância desses requisitos. Estamos perante uma nulidade atípica, que só poderá ser invocada pelo dono da obra. Apesar disso, a lei permite que, entre o empreiteiro e o subempreiteiro, o primeiro invoque a nulidade do contrato de subempreitada que o último não diligenciou em reduzir a escrito.

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